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Transfusão, emplasto Brás Cubas e as quatro estações da moral

Uma nova epidemia?
Transfusão, emplasto Brás Cubas e as quatro estações da moral
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Notícias da semana
  • STF começa a decidir sobre o direito a recusar transfusão de sangue

Se você leu na mídia que o STF começou a decidir sobre o direito de pacientes testemunha de jeová recusarem a transfusão de sangue, saiba que não é bem assim e vamos explicar. Antes, é importante saber que o editor desse Boletim atua como amicus curiae – não é propriamente um conflito de interesse, mas é preciso falar em nome dos bons costumes científicos.

Até a gestão do Ministro Barroso como presidente do STF, a sustentação oral das partes e dos “Amigos da Corte” (para o leitor não jurídico, é isso que significa amicus curiae) ocorria com o início do julgamento, com leitura dos votos dos Ministros. Isso significa que o impacto das manifestações da tribuna poderia ser menor, pois os votos já estariam feitos. Ao assumir a presidência, o Ministro Barroso propôs alterar isso. Agora, as manifestações ocorrem em uma sessão e, a votação, em outra. Ou seja, muito embora tenhamos ouvido as partes e os amici curiae nesta semana, não está pautado ainda a votação. Na prática, STF não começou a decidir, apenas começou a ouvir.

Outro ponto: os dois casos em debate não dizem respeito à recusa, simplesmente, mas um pedido de fazer procedimento usando técnicas do PBM (Patient Blood Management), o que inclui a autotransfusão, e outro pedido de fazer procedimento sem uso de transfusão halogênica (doador diferente do receptor). A ação em que discute apenas a possibilidade de recusar transfusão de sangue, sem qualquer outro recurso, é a ADPF 618, que não foi pautada conjuntamente.


  • Um amigo para chamar de seu

Durante as sustentações orais, o Ministro Flávio Dino (também conhecido por sua carreira com Os Vingadores) interrogou vários amigos da corte. Essa arguição é prevista, pois se espera que as entidades possam qualificar a decisão informando questões relevantes e perspectivas que não foram consideradas ainda.

Dentre as perguntas, o Ministro questionava sobre os limites da autonomia de pacientes. Pode alguém querer vender um rim? E com quantos anos alguém pode recusar algo ou querer algo em matéria de saúde? E além de todos os casos cirúrgicos de sucesso citados na tribuna que envolviam cirurgias eletivas sem transfusão de sangue, há algum caso envolvendo urgência/emergência e paciente inconsciente? E qual documento garante que aquela seja a verdadeira e atualizada manifestação do paciente?

O fundamento das intervenções foi claro: se quer ser amigo da corte, tem que fazer amizade e contribuir.


  • Emplasto Brás Cubas

A Sociedade Brasileira de Bioética manifestou-se quanto a três pontos. 1) A autonomia e o consentimento de pacientes são direitos fundamentais e precisam ser respeitados; 2) O exercício da autonomia não pode ir contra a democracia sanitária – não pode querer emplasto Brás Cubas ou qualquer outra coisa sem evidências como se fosse um direito a saúde; 3) A inexistência de definição dos limites e meios de exercício da autonomia e do consentimento gera insegurança jurídica a pacientes e profissionais da saúde.

Quem quiser assistir, está no vídeo abaixo:


  • As quatro estações da moralidade

Um estudo publicado nesta semana indicou que a moralidade de cada um se altera conforme as estações. A pesquisa analisou respostas de pesquisa de mais de 230.000 pessoas nos EUA ao longo de 10 anos e revelou que o endosso das pessoas aos valores morais que promovem a coesão e a conformidade do grupo é mais forte na primavera e no outono do que no verão e no inverno. A alteração dos padrões também apareceu em amostras de dados menores do Canadá e da Austrália.

Os pesquisadores apontaram que essa alteração pode ter impacto tanto em questões sanitárias, como adesão a campanhas, como também implicações nas eleições e na decisão judicial.

Sobre a decisão judicial, anteriormente foi realizado um estudo que concluiu que juízes alteram o padrão de julgar conforme a hora do dia, sugerindo que poderia ser por estar com fome (ou glicemia baixa).

Embora seja interessante saber da volatilidade moral, a associação disso com a decisão judicial implica ignorar que a decisão é um ato racional, com método e tempo para não ser afetado pela fome ou estação lunar. Do contrário, vamos precisar analisar o mapa astral antes de protocolar petições

P.s.: A propósito, mercúrio está retrógrado.


  • Mais uma Emergência Global Sanitária para se preocupar

O chefe da Organização Mundial da Saúde disse na quarta-feira que convocará um grupo de especialistas para determinar se a crescente disseminação do vírus mpox na África justifica ser declarada uma emergência global.

Em uma coletiva de imprensa em Genebra, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que, dada a crescente disseminação de casos de mpox para além do Congo, ele decidiu pedir a especialistas independentes que aconselhem a OMS “o mais rápido possível”.


  • E a pesquisa clínica?

Seguimos sem regulação da nova Lei de Pesquisa Clínica – e, até o fechamento deste Boletim, o Congresso ainda não apreciou os vetos.

E, não, não esqueci de apagar esse tópico que esteve no Boletim passado. Simplesmente nada andou.


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O que mais rolou
  • Foi publicada a Lei 14.950 que alterou o ECA para estabelecer o direito da criança e do adolescente de visitação à mãe ou ao pai internados em instituição de saúde.
  • Também foi aprovada a Lei 14.951, padronizando a prática já existente de indicar a condição da pessoa por meio das cores da bengala.

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Vale a pena ler também

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Por fim
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É isso. #sextou e bora cutir o frio com o novo album do Milton Nascimento Bituca, confira uma abaixo.

Este Boletim foi escrito ao som de A Day in the Life, de Milton Nascimento e Esperanza Spalding