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Cinco tendências em Bioética para 2025

O que esperar na Bioética em 2025?
Cinco tendências em Bioética para 2025

A celebração da passagem do tempo é um ritual. Aniversários, réveillon... É necessário permitir-se, de tempos em tempos, o frescor que os recomeços trazem para seguir adiante.

São momentos especiais de planejamento, análise e descanso. E, após um descanso desses, é que Bioética sem Fronteiras retorna às suas publicações.

O que esperar na Bioética em 2025?

No Bioética sem Fronteiras de hoje, compartilho algumas ideias colhidas que podem nos dar pistas do que será o novo ano para nossa comunidade.


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O ano dos eventos presenciais

Durante a pandemia, aprendemos a viver o mundo EaD e assíncrono. Mas, cinco anos depois, esse modelo dá sinais de cansaço da ausência do calor humano, da interação social analógica – especialmente porque a população ainda é composta em sua maioria por não nativos digitais.

É possível observar o crescimento bem sucedido de eventos presenciais nos mais diversos segmentos, e todos lotados. Também é possível observar o retorno de práticas como agendar café e reuniões presenciais, inclusão de experiências presenciais na jornada de clientes ou na construção de branding.

Por conta disso, o setor de eventos está apostando alto para 2025 como um ano de muita produção cultural. E isso também refletirá na Bioética – local e global. Diversos eventos já estão agendados, como o Congresso Brasileiro de Bioética, da Sociedade Brasileira de Bioética, o Congresso Internacional de Direito Médico, entre outros. Neste exato momento que escrevo, amigos e colegas se dirigem a Coimbra para uma imersão acadêmica em direito e saúde e fazem inveja com as fotos gastronômicas – sigam fazendo, e mandem notícias para contarmos aqui.

Além dos encontros presenciais, outra prática será a dos petit comité on-line. Eventos síncronos, que não ficam gravados, para poucas pessoas, com o intuito de apresentar conhecimentos aprofundados de temas específicos a poucas pessoas dispostas a travar a agenda, abrir a câmera, ouvir e falar. Aqui, a máxima “minha câmera está com problema” não é bem-vinda.

Este modelo democratiza o acesso a conhecimento, uma vez que todos podem organizar e participar mediante baixos investimentos, e sem barreiras geográficas. Mas é preciso ter agenda flexível e foco, não é possível rever ou se inscrever para assistir depois.

Será um ano que teremos considerável aumento da troca de informações em Bioética.


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IA e Bioética

Eu sei que a sua impressora engolindo papel contribui para que você não perceba o desenvolvimento da inteligência artificial e seus impactos no cotidiano. Mas o fato é que os algoritmos estão cada vez mais presentes e tomando decisões relevantes sem que saibamos adequadamente os seus efeitos, vieses cognitivos de aprendizagem de máquina, ou ainda como desenvolver sustentavelmente a IA – o ChatGPT gasta uma garrafa d’água para escrever uma mensagem com 100 palavras, por exemplo.

No Brasil e no mundo todo, 2025 será um ano relevante nos debates da regulação. E a Bioética será importante espaço para tais debates, e não só quanto à aplicação da IA na saúde, mas em toda a vida humana como conhecemos.


Mudança climática

E não é apenas a IA que está mudando a vida humana. Também a mudança climática se acelerou e passou a impactar a saúde e a vida humana de modo que ainda não tínhamos registro. Se, em 2006, o editorial do British Medical Journal escreveu que “a mudança climática ligada ao aquecimento global é o problema de saúde pública mais urgente do mundo”, 20 anos depois ignorando o alerta temos seus reais impactos sendo percebidos pela população e sistemas de saúde.

Apenas para citar alguns dos problemas, que já possuem indicativos de aumento por conta da mudança climática, está o AVC, transtornos psiquiátricos e diminuição da capacidade de concentração e paciência. Há diversos outros problemas, que demandam uma política pública específica para a saúde antes que seja tarde demais para começar a cuidar. Esse é o conceito de One Health, e Sociedade Brasileira de Bioética apresentou esta questão ao STF no âmbito da Pet. 13.013/DF.

Além dos impactos diretos, que acabei de citar, existem os impactos indiretos, que só são compreendidos muito tempo depois. Uma breve curiosidade: no ano de 542 d.C., Constantinopla viveu uma epidemia conhecida por “Praga de Justiniano” que, pelos registros históricos, matou cerca de 100 mil pessoas na região – 1/5 dos moradores da grande cidade. Dali, a praga se espalhou pela Europa e, até o século VIII, estima-se que tenha matado metade da população mundial da época, ou seja, quase 50 milhões de pessoas.

E o que transmitia a praga? Uma espécie de rato que pegou carona até Constantinopla, mas que normalmente não sobreviveria ao clima de lá, não fosse uma erupção vulcânica em 535 d.C., que espalhou partículas ao redor do globo e causou uma queda de temperatura de cerca de 3ºC. Isso desestabilizou o clima global por cerca de dez anos. Assim, as condições climáticas mais frias com umidade mais alta provavelmente deram a oportunidade de que ratos e pulgas sobrevivessem e cruzassem o mar Mediterrâneo, infectando Constantinopla e, dali, matando metade da população mundial. Bizarro, não? Pois é. Mudança climática.

Em 2025, a mudança climática irá pautar debates bioéticos, especialmente com as notícias de seus impactos nos sistemas de saúde e tragédias climáticas que seguirão ocorrendo.


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Firehose of falsehood

O nome é estranho, mas você conhece o fenômeno bem. Trata-se de uma técnica de comunicação que se caracteriza por inundar o público com uma enorme quantidade de informações, incluindo meias-verdades, desinformação e declarações bombásticas.

A técnica foi melhor descrita em um relatório de 2016 da RAND, uma think tank norte-americana criada em 1948 originalmente para oferecer pesquisa e análise às Forças Armadas dos Estados Unidos, mas hoje contribui com pesquisa em diversas áreas. Na ocasião, a RAND analisava a técnica de propaganda governamental da Rússia.

Mesmo que se referindo à Rússia, o firehosing já era observado em diversos outros países e contextos políticos. E passou a ser ainda mais frequente após os anos 2020, como suas características demonstram:

  • Volume excessivo de informações: Inunda o público com declarações, tweets, entrevistas e notícias constantes, tornando difícil acompanhar ou verificar cada afirmação.
  • Velocidade e repetição: As mensagens são compartilhadas rapidamente e frequentemente repetidas para reforçar sua percepção como verdadeiras.
  • Mistura de verdade e mentira: Combina fatos reais com desinformação, confundindo o público e dificultando a distinção entre o que é verdadeiro e falso.
  • Indiferença à coerência: Não se preocupa com a consistência lógica ou factual entre as declarações, pois o objetivo não é persuadir pelo conteúdo, mas saturar o espaço informativo.

 Eu sei, você pensou em alguém. Há muitos alguéns a se pensar neste momento, a técnica se popularizou e fortalecerá no ano de 2025 na Bioética. E são vários os indícios para isso.

Os temas estudados pela Bioética invariavelmente são revestidos de tabu ou polêmicas, e permitem a criação de falsas polêmicas, com grande repercussão, de modo a ocupar o palco do debate público e, por isso, se adequam bem para a técnica – uma mistura que, anteriormente, descrevi como biopopulismo.

Um exemplo: Robert Kennedy Jr., que comandará a Saúde pelos próximos quatro anos nos EUA, é um declarado antivax. Entre as pautas fomentadas por ele e sua organização, a Children's Health Defense, está a alegação de que vacinas causam autismo, ou ainda que um determinado herbicida é responsável pelo aumento de pessoas que se declaram transgêneras.

E palavras possuem impacto. Desde que tais ideias começaram a circular (em especial a de que vacinas infantis são a causa do autismo), a taxa de vacinação infantil caiu muito abaixo das metas de vacinação necessária para evitar o surgimento de doenças como a pólio.

Em comunidades que possuem frágeis sistemas de verificação de informação, o firehosing tem potenciais nocivos na saúde pública. É o caso do surto de sarampo em Samoa, em 2019. Samoa é uma ilha no Pacífico com cerca de 200 mil habitantes, perto das ilhas Fiji, no nordeste da Austrália e norte de Nova Zelândia. Robert Kennedy Jr. visitou a ilha em 2019 e, junto de sua organização, divulgou os supostos efeitos nocivos da vacina em crianças, fazendo a taxa de vacinação cair para 31%, muito menor que países insulares vizinhos, como as vizinhas Nauru, Niue e Ilhas Cook, que tinham 99% de taxa de vacinação. O efeito? Mais de 5.700 casos de sarampo e 83 mortes – números altos, pensando na população total do país.

Agora, considere o contexto atual em que a Meta anunciou recentemente a mudança do seu sistema de verificação de fatos.

E por que bioética na mira do firehosing? Porque seus temas são polêmicos, comovem, são facilmente dissemináveis e contribuem para tirar o foco de questões que deveriam ser realmente debatidas. Aborto tem sido usado há tempos como cortina de fumaça para questões graves de saúde pública, segurança e economia.


Isso me leva a um desdobramento: Bioética e checagem de fatos.

Bioeticistas e instituições acadêmicas serão cada vez mais convidados ao debate público para contribuir com a checagem de fatos dos mais diversos – uso de feto na indústria de cosméticos é um dos muitos que este Boletim respondeu no ano passado.

 Se você compreende que há um risco à saúde pública pela desinformação, junte-se a nós. Indique este Boletim a seus alunos, colegas, ou ainda contatos que possam se interessar pelo debate da Bioética.


⚖️
Judicialização da bioética

A Bioética frequentará mais os tribunais em 2025. Não apenas para combater o firehosing, mas também como instrumentalização da própria técnica. Por exemplo, a ação proposta pela senadora Damaris contra a Resolução 258/2024 do CONANDA, que trata do atendimento a crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais.

Também veremos aumentar os processos relacionados ao exercício da autonomia e planejamento existencial de pacientes, e profissionais jurídicos e da saúde precisarão estreitar mais e mais o diálogo para construir respostas a tais questionamentos.

A esfera criminal será cada vez mais utilizada. Embora o direito penal seja um instrumento jurídico de tutela que deve ser usado apenas quando outro não for adequado, ele sofrerá um expansionismo indesejado. Vamos ter notícias de debates bioéticos no âmbito dos debates criminais, seja para enquadrar alguma situação como crime, ou ainda para criminalizar, com a tipificação de novos crimes.


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Por fim

De tédio não padeceremos em 2025. Bioética será um espaço de muitos debates, em constante movimento, moldado pelas transformações tecnológicas, sociais e políticas que impactam a vida humana.

Do crescimento dos eventos presenciais à urgência de combater a desinformação, passando pela integração de novas tecnologias como a inteligência artificial à mudança climática e judicialização de questões bioéticas.

Será um ano que a nossa roda de conversa bioética precisará abrir mais espaço para novos conhecimentos se juntarem para dois dedos de prosa, enquanto também cuidaremos para que a conversa não seja tomada por ruídos.

E seguiremos dialogando, por aqui, nos eventos e onde mais for possível.

  • Quer falar com a redação? Cartas podem ser enviadas para hendersonfurst@gmail.com ou ainda para @henderson_furst. Onde for mais fácil =)
  • Quer mandar um caso para ser debatido pelos leitores do Bioética sem Fronteiras? Está organizando um evento e quer divulgar? Tem alguma notícia que quer compartilhar aqui? Mande para cá também.