Água até aqui

- Mudanças climáticas e a saúde
O Boletim desta semana foi escrito diretamente da Cidade da Advocacia, um grande evento realizado pela OAB-RS. A edição deste ano é histórica: demonstra a resistência do povo gaúcho para lidar a catástrofe das chuvas deste ano. Espalhadas pelo evento, vê-se placas e adesivos “Água até aqui”, quase sempre precisando erguer os olhos para entender a altura que o volume das águas chegou.
Esta é uma campanha criada por um coletivo de designers gaúchos para conscientizar sobre a tragédia que ocorreu e manter viva a memória do que a mudança climática global causou - se quiser participar da campanha, além do instagram, esta é a página.
Isso nos faz lembrar que a mudança climática também é um problema sanitário e bioético. Os dados da OMS indicam que a mudança climática já afeta 70% dos trabalhadores, além de ser a causa direta de mais de 150.000 mortes – número que deverá aumentar significativamente nos próximos anos – além de incontáveis outros problemas de saúde, incluindo a saúde mental (vale lembrar que, na edição anterior, falamos de estudo que associava o comportamento à estação do ano – e mercúrio continua retrógrado, a quem possa interessar).
Com isso, um alerta para a imediata necessidade de se estudar políticas públicas sanitárias para a mudança do clima.
Este editor falou, aqui, sobre a dogmatização da autonomia para consentir, e que isso é diferente da autonomia privada, bem como sua relevância nos tempos atuais (o que alguma das notícias dessa edição irão confirmar), além de falar do que está vindo aí na reforma do Código Civil quanto ao tema.
Por fim, uma sugestão: vá ao final, dá play e leia esse Boletim ouvindo o informal hino de Porto Alegre, “Amigo Punk”.
- OMS declara emergência de saúde pública global
Na semana passada, este Boletim contou sobre reunião da OMS para avaliar o avanço dos casos de MPox. Pois então. A notícia da semana é que o rápido aumento dos casos com uma cepa ainda mais resistente exige atenção especial para contenção da doença. A boa parte da notícia é que já existe vacina para a doença e o Brasil está comprando mais 25 mil doses e pediu para a Anvisa autorizar o uso dos lotes comprados em 2022 – a liberação estava até final do mês.
Ainda não há casos registrados no Brasil dessa nova variante, embora a variante anterior continue circulando.
- Wrongful birth
E o STJ não concedeu salvo conduto para que um casal realizasse aborto de uma gestação de feto diagnosticado com trissomia do cromossomo 18, também conhecida como Síndrome de Edwards, caracterizada por malformações congênitas graves, como o coração, além de problemas renais e atrasos no desenvolvimento. Muito embora raramente o feto se desenvolva a ponto de ter um nascimento com vida, quando isso ocorre, a expectativa de vida é muito curta, não sobrevivendo além do primeiro ano de vida – com incontáveis intervenções médicas.
Anteriormente, o STF entendeu que a gestação de feto anencéfalo poderia ser interrompida sem ser considerado crime por conta da inviabilidade da vida após o nascimento (ADPF 54). Esse entendimento tem sido aplicado analogicamente por outros tribunais a casos como o da Síndrome de Edwards. Em 2023, por exemplo, tanto o TJ-PR quanto o TJ-SP autorizaram para a mesma síndrome, além de outras que se assemelham quanto a inviabilidade da vida – o que demonstra que a compreensão do caso ainda é uma loteria judicial, pode ser que autorizem, pode ser que não.
A insegurança jurídica faz com que muitos casos ocorram na surdina, evitando-se levar ao Tribunal pelo risco de não ser autorizado.
- Saúde semi-integral
O ministro Antonio Saldanha Palheiro, do STJ, afirmou que os planos de saúde não têm capacidade financeira para oferecer cobertura integral a todos os seus beneficiários, dada a complexidade e os altos custos do setor. Ele alertou que a busca por uma "saúde integral" pode tornar o sistema insustentável, comprometendo o atendimento básico. Saldanha enfatizou a necessidade de equilíbrio entre as demandas dos usuários e os limites econômicos das operadoras de saúde.
- Saúde semi-integral (2)
Médicos na Inglaterra estão denunciando uma grave crise na atenção básica do NHS, resultado de cortes orçamentários contínuos e falta de investimento adequado. Muitos médicos estão atendendo até 50 pacientes por dia, um número muito acima do recomendável, levando ao esgotamento e a um aumento significativo no número de profissionais que estão abandonando a profissão. A British Medical Association (BMA) estuda a implementação de limites no número de consultas diárias para proteger a saúde dos médicos e garantir a qualidade do atendimento. Esta crise evidencia a necessidade urgente de reformar o sistema de saúde pública do país, com foco em maior financiamento e melhores condições de trabalho para os profissionais da área, visando a preservação da eficiência e a sustentabilidade do NHS. O governo enfrenta crescente pressão para resolver essas questões, enquanto pacientes e médicos sofrem as consequências da sobrecarga.
- A paciente de Taubaté
O Tribunal de Justiça de São Paulo fixou em R$ 35k a indenização por danos morais à filha de uma paciente (de Taubaté) que recebeu transfusão de sangue contra a sua vontade antes de morrer.
A mulher recusou o procedimento, alegando que ia de encontro à sua fé, e optou por métodos alternativos. No entanto, após piora no quadro clínico, ela foi sedada e a equipe médica fez a transfusão alegando ser a única opção de tratamento. Tempos depois, a paciente morreu.
É um caso simbólico de como a Resolução 2.232 do CFM pode expor profissionais médicos a riscos ao desconsiderar a recusa terapêutica de pacientes.
- E a pesquisa clínica?
E mais uma semana se vai sem regulação da nova Lei de Pesquisa Clínica – e, até o fechamento deste Boletim, o Congresso ainda não apreciou os vetos.
- Conselho Federal de Farmácia publicou a Resolução 10/2024, regulamentando as atribuições do farmacêutico na saúde digital e inteligência artificial.
- E o Conselho Federal de Educação Física regulamentou a telessaúde na educação física com a Resolução 542/2024.
- TJ-AM majora em 900% indenização por parto que implicou em paralisia cerebral
- Fernanda Capurucho Horta Bouchardet, Reflexões sobre o valor jurídico dos instrumentos na perícia para avaliar os danos corporais
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É isso. #sextou e bora zapear o que tem de novidade no Netflix.
Este Boletim foi escrito ao som de Amigo Punk, de Graforréia Xilarmônica. Amigo Punk é um dos símbolos culturais portoalegrenses - ao que consta.